Chamar Nelson Rodrigues de mestre já é, de uma certa forma, uma redundância. Por mais que não goste de seu estilo, de suas histórias, você acaba admitindo a sua qualidade textual. Esse seu estilo, que tanto chocou a sociedade carioca do século passado, hoje é conto para crianças. Sei que posso estar sendo exagerada, afinal, a nossa sociedade não mudou muito, pelo menos não o que apodrecia nela. Suas obsessões, suas fábulas de amor, o amor intenso, um pouco mais superficial talvez, devido à facilidade e distanciamento social, mas ainda pungente nos labirintos que nos levam aos corredores sociais, mas nunca, no meio deles. A hipocrisia e o moralismo ainda existem, infelizmente. Começo a pensar que é inerente ao ser humano; já constituem a essência humana.
Porém, hoje não vou falar das críticas a Nelson, nem de sua obra. Vou utilizá-los somente para ilustrar e trazer à tona um pensamento específico sobre o que é o amor. Antigamente, morrer por amor era digno. Era poético. Até mesmo, invejável, afinal, só grandes poetas românticos morriam por amor, ou de amor, em decorrência de uma tuberculose, o que é hoje uma doença tratável, antigamente era conhecida, como mal de amor. Atrevo-me a dizer, que esse mal ainda vive, não mais com o nome de tuberculose, mas ainda está latente na alma dos seres contemporâneos, ou seja, nós.
Nelson dizia que: “Pouco amor, não é amor”. E algumas pessoas levam isso ao pé da letra e amam, com tanta intensidade, que por esse sentimento, são capazes de fazer qualquer coisa: matar, morrer e até seqüestrar ônibus. Esse amor que nunca sai de moda, apesar das mudanças comportamentais que o mundo vive, continua dando aos jornalistas boas matérias, coberturas espetaculares. Só nas últimas semanas, já lemos nos jornais, três notícias sobre amor intenso que não acabaram muito bem, ou que segundo Nelson: “foi até às últimas conseqüências, que só o amor verdadeiro pode ir”.
Primeiro uma mulher procura seu amante, homem casado, para dizer que esta grávida. Sua esposa os flagra, ele se desespera, mantém as duas em cárcere privado por horas dentro de uma casa. Do lado de fora, cerco policial, negociações, curiosos, imprensa. O espetáculo do amor desesperado. Ao fim, temos dois corpos, amantes mortos, esposa em estado de choque. Ele mata a amante grávida, e logo em seguida se mata, é a culpa por amar demais, e fazer sofrer aos que ama. Eis o desfecho;
O segundo, a mulher sai de casa para trabalhar, o ex-marido, louco de amor, que a seguia e a agredia constantemente, entra atrás dela no ônibus. Começam a discutir. Ele, agressivo, implora a reconciliação. Ela, magoada, machucada e com muitos boletins de ocorrência na Delegacia, diz não. Então é o início da sessão de agressões, temos então: “O Seqüestro ao Ônibus 499”. Novamente o espetáculo: a polícia, negociação, os curiosos e a imprensa. Sempre a mesma platéia, informando em tempo real, esperando o desfecho dessa história de amor. Então ele se entrega, chora, vai para a cadeia. Ela vai para o hospital, se diz aliviada, passageiros são entrevistados. E é o fim.
O último e o mais recente. Abro o jornal, e leio: “Professor e Aluna São Encontrados Mortos em Motel”. Suposições, cartas, dois corpos, duas armas, pacto, assassinato, ciúme, suicídio, pressão, amor impossível, é o que ouvimos dizer. De fato mesmo, só temos os corpos. Uma aluna de 13 anos e seu professor de piano de 31, no motel, em estado agonizante, até a morte. Roteiro com características rodriguianas, personagens que até então, só Nelson via andando pelas ruas, mas que agora, entram em cena. Na vida real, então não podemos criticar, assim não é bom. Quem escreveu isso? Quem foi o depravado?
Saber que o amor nem sempre é saudável, não é uma boa notícia para nós, meros seres humanos, cheios de sonhos, suscetíveis a todo tipo de obsessão; que aprendemos que só o amor importa, “que é preciso amar as pessoas como se não houvesse amanhã”, que o amor é bom, que só ele constrói. Entretanto, numa sociedade doente como a nossa, até o amor destrói, até ele, e principalmente ele, mata, manipula, seqüestra. Porém, nem tudo foi ruim. Para polícia, curiosos e à imprensa, até que o saldo do mês foi positivo.
Viva Nelson Rodrigues, viva o amor, viva o ibope!
Brenda Leal
21/11/2006.
quinta-feira, 29 de março de 2007
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